A gente da Barreira

«Sabeliña»

Novos tempos. No cemitério de Furriol dorme no esquecimento, cabo dos seus devanceiros, don Álvaro Frade Portela. Tamén dona Amélia, a requintada Ameliña que na sua mocidade fora admiración dos labregos na Barreira, é só a lembranza de unha vida que pasou. Agora, reconciliada coa seca e orgullosa Vertudes, ponla esgazada da enxebre árbore de Eiris, acouga acarón dela. As duas sombras senta-se juntas no banco de castiro da igreja de San Mamede cando os domingos, desde as terras do alén, as trai a saudade a escoitar a misa que di un crego que non as coñeceu. Mais a Sabeliña, que ainda remexe polas valeiras salas da casa do Ajuntamento, ben as ve, os rosários nas mans, mover sen ruído os beizos, cos seus rostos de sempre. Ja non fican en terras da Barreira netos de don Armando. As terras foron pasando às mans dos indianos, dos maragatos, dos caseiros. Os fillos de don Álvaro foron vendendo ou alugando todo.

Ninguén os ve por ali. Eran moitos: as partillas foron escorregando das suas mans. Non lles daban para viver.

¿E que vida era aquela entre pailáns? Non querian ser paiolos. Buscaban sair da estreiteza po outros meios. Eran moitos. Gostaban de viver en Souto. Uns chegaran a ter carreira, e exercian-na na capital. Os máis noos amañaban-se como podian metendo-se en negócios, procurando o tobo de unha oficina, gastando as derradeiras rendas. As nenas ian-se casando con juíces ou militares, ou esmorecendo nunha soltaria avinagrada. Non lles pracia lembrar a Barreira, e ollaban decotio para o futuro, esgazados da terra como do pasado, árbores sen raigames, afincadas no ar.

A Sabela, no Ajuntamento, ia envellecendo, mentres a vida se renovaba ao seu redor. Todos os dias limpaba o pó dos retratos que a ollaban con un imóvel aceno desde as paredes do valeiro salón. Don Ramón, coas suas poboadas cellas como a frouma dos piñeiros que plantara nas gándaras vougas outrora; do Armando, o das formosas barbas escuras que percorrera un vento de arripio cando enxergara o bulir dos sapos entre a Barreira e Furriol; do José Manuel, cujos ollos churrusqueiros ainda parecian oferecer às mozas as mazás do pecado. E as donas. A loira dona Tereixa, filla de marqués, co negro encaixe nos cabelos; dona Mercedes Portela, noviña, co seu rebuldeiro ar de ledo peizoque. Sabela esculca con teima os rostos dos nenos que nacen no país, procurando neles os rasgos dos fillos de don Ramón cando son netos das que foron mozas ao tempo en que os dous irmáns eran rapaces. Mais agora, mal, fora dela, hai quen estime a honra desas semellanzas.

Inimiga da caste de Rosende, perante a que se inclina todo o mundo, Sabela, ao regresar da misa, pasa ergueita e sen ollar ante a branca mansión da estrada. E un tristeiro suspiro foge do seu acorado peito cando, percorrendo o camiño cara o Ajuntamento, avista o portón da casa da Barreira, cujos muros erguera don Ramón. A casa está valeira, e vai ser alugada, ou mercada, ou desmoronoada. Quizá o antigo arrieiro erga outra casa branca sobre os vellos alicerces. A filla de Vertudes sente unha dor pungente no fundo do corazón. E pasa. E hai bágoas nos seus ollos. E non ve.

A gente da Barreira (1997). Edición de Mª Pilar García Negro. Vigo: A Nosa Terra


Provérbios otomanos. «De Selim a Solimám»

O terceiro ano do reinado de Selim I, sultám dos turcos otomanos e Comendador dos Crentes, entrou no seu harém umha cativa georgiana, da qual nom consta o nome nos anais da Sublime Porta. Esta mulher, que mal poderia ser daquela senom umha adolescente, devia de possuir encantos arrebatadores e singulares dotes políticos, porque aos poucos apoderou-se completamente da vontade do sultám, de jeito que nos últimos cinco anos de governo deste príncipe, influiu poderosamente na vida da Corte, empoleirando ou derrubando ministros, favorecendo as relaçons pacíficas cos monarcas cristáns e atiçando o ódio de Selim contra a seita chiita. Ela renegara da sua religiom, e assumira a fé mussulmana com aparente entusiasmo. Ainda que nom era oficialmente mais que umha entre tantas concubinas do sultám, a Bela Georgiana, como a designam os cronistas serôdios que se ocupam neste reinado, sustinha contactos regulares cos embaixadores das potências que mantinham relaçons com Selim, e através de eunucos ou funcionários que lhe eram devotos, concertava com aqueles entrevistas secretas, com autorizaçom do seu senhor, nas quais se tomavam acordos e se planeavam importantes combinaçons diplomáticas.

Como nom todos os sacrificados por Selim nas aras da Bela Georgiana foram enviados ao paraíso de Maomé, senom que muitos eram simplesmente destituídos dos seus cargos, afastados da Corte ou reduzidos à miséria, formou-se um partido de descontentes, unidos polo rancor que professavam à Bela Renegada, os quais, quando a saúde do sultám começou a declinar, concebêrom a esperança de aniquilar a favorita e recuperar o poder ao advento, que se reputava próximo, ao trono califal, do presunto herdeiro Solimán, príncipe de grandes dotes, enérgico e ambicioso, de vinte e cinco anos de idade, o qual sofria com irritaçom a privança da Georgiana, que o tinha afastado de toda intervençom no governo.

Em 1520 faleceu Selim, e Solimám foi proclamado Califa. Como era um moço astuto e prudente, declarou em suspenso toda actividade governativa e burocrática no Palácio, em sinal de luito pola morte do seu pai, por um período de tempo cujo final se reservava declarar, e duranté o qual o novo sultám permaneceria isolado nas suas habitaçons privadas, prangendo a desapariçom do seu progenitor e meditando sobre as linhas gerais do seu governo futuro e a designaçom dos altos cargos da administraçom do Império Otomano.

Os desterrados regressárom a Constantinopla. Os destituídos que conservavam a cabeça acampárom às portas da residência do Vicário de Maomé, enxergando com impaciência os relevos da guarda de janízaros que choía hermeticamente a residência imperial, por cujas portas nom saiu nem entrou ninguém durante treze longos dias.

Ao cabo deles, um capitám da guarda, com seis cavalos de escolta, abandonou o paço, coa ordem de regressar em companhia do antigo vizir, Muza-el-Mast, feitura da Bela Georgiana. Ignorava-se o paradeiro do Vizir que, como logo se soubo, se refugiara numha aldeia de Anatólia, onde tinha parentes lavradores -era de humilde origem-, por temor ao juízo de residência que esperava do novo governo.

A multitude de inimigos da Bela Georgiana que acampara às portas do paço, comprovou que o regime de clausura permanecia sem modificaçom. Passárom seis dias mais, e ao cabo deles entrou pola porta por onde saíra, o capitám de janízaros, rodeado da sua escolta e acompanhado de umha carruagem atirada por dous cavalos negros guiados por um escravo arménio e dentro da qual se soubo que viajava o velho e libertino Muza-el-Mest.

Mentres as gentes que desde a morte de Selim aguardavam às portas do paço, esperavam que desde o balcom principal fosse deitada a cabeça sangrenta do antigo vizir, abriu-se a porta que dava ao dito balcom, e EI-Mast em pessoa, flanqueado por dous eunucos, achegou-se ao antepeito e leu um édito do Sultám polo qual era confirmado no seu cargo de Grande Vizir, e designava como colaboradores aos mesmos que o foram sob o reinado de Selim, todos eles adeptos humildes da Bela Georgiana.

Esta, durante os treze dias que seguiram à morte de Selim, tivera freqüentes colóquios, diurnos e nocturnos, com Solimám, nos quais se falara longo e tendido dos problemas do Estado, e a antiga favorita demostrara tal conhecimento da arte suasória e umha clarividência tam extraordinária em matéria de governo, juntamente com tal capacidade de adaptaçom aos planos políticos do novo sultám, que este, seguro da flexibilidade verdadeiramente serpentina da formosa Renegada, decidiu mantê-la na posiçom que ocupava com respeito a Selim, e suster nos seus postos aos antigos ministros, cuja boa disposiçom para executar a nova política garantiu a Bela Georgiana.

Como a hostilidade de Solimám se converteu em estima, é um segredo de harém; mas a antiga favorita de Selim, que frente à Cristandade era pacifista, foi a favorita de Solimám, que frente à Cristandade era belicista. É bem sabido que Solimám nom foi um sultám frouxo que se deixasse manejar por qualquer. A Bela Georgiana nom lhe impujo a sua política, senom que secundou a do Monarca. Mas com tanta eficácia e fidelidade como demostrara nos tempos de Selim. Conta-se que este, quando despachava coa dama, soía colocá-la à sua direita, mentres Solimám a situava à sua esquerda. Parece que isto se devia à distribuiçom da luz no aposento onde se celebravam os colóquios, que no caso do antecessor recebia a luz do poente, e no caso do sucessor a recebia do levante. A Bela passava de direita a esquerda, de Selim a Solimám, de pomba a falcoa coa maior naturalidade, e como a sua beleza era perfeitamente simétrica, tam agradável e eficaz resultava por umha banda como pola outra, e era capaz de pôr a sua técnica ao serviço das políticas mais dispares.

Nom estamos bem informados sobre a desapariçom deste brilhante cometa. Crê-se que a Bela Georgiana faleceu de morte natural arredor de 1550. Outra figura feminina desenha-se por estes anos sobre o fundo do harém do Grande Turco. É Roxelana, que chega a conseguir de Solimám a liquidaçom do príncipe Mustafá, filho do Califa e inimigo da dona, mentres, como sabemos, a Georgiana nunca recavou de Selim a eliminaçom de Solimám.

A Bela Georgiana aparece-se-nos como umha miragem sobre as águas do Bósforo, coa sua obscura origem, a sua proteica capacidade de adaptaçom e a sua provada fidelidade aos seus senhores, fossem as que fossem as circustáncias. Na história do Império Otomano fixo época, e a sua figura tornou-se em exemplar mui imitado. Coas metamorfoses que fossem precisas de género, número e caso, a Bela Georgiana continuou, até os tempos de Kemal Ataturk, realizando-se em sucessivas ou simultáneas encarnaçons. E sempre que se registava a apariçom de umha figura de semelhantes dotes no horizonte da política, tam flutuante, do Império, era saudada, como etiqueta classificadora e fórmula comprensiva, coa frase consagrada: De Selim a Solimám.

Agália (1985) [Baixo o pseudónimo de Namiq Zivá]


Scórpio

Capítulo XXX (1ª Parte). Salgueiro

Somos, na verdade, uns juristas um tanto estranhos, muitos dos que este ano de 1929 cursamos o penúltimo de carreira, pois entre Junho e Setembro pensamos liquidar terceiro e quarto. Scórpio, ainda que com matrículas de honor em todas as matérias, e acreditado como o melhor aluno da sua promoçom, tem umha evidente vocaçom de poeta lírico, o mesmo que Sagitário. E eu som tamén un aluno distinguido, e, sem embargo, ainda que secretamente, alimento umha irresistível vocaçom de escritor. Mas amim nom me tenta o verso, senom a prosa. Nom a lírica, mas a épica. A épica possível hoje, claro está. Nom temos por que chamar-lhe “novela”, em galego, ao relato longo. Nisso o castelhano é a excepçom. Novelas, nouvelles, novelle, é dizer, relatos breves, como os do Decamerone, já tenho escritas duas, que jazem vergonhentamente, a dormir um sono sem sonhos, na gaveta da minha mesa de trabalho. Mas agora quero escrever umha obra narrativa longa, um romance, roman, romanzo. Pouco hai disto na literatura galega. Nos tempos presentes aponta ente nós um verdadeiro romancista. Os caminhos da vida seria um grande romance –é-o, apesar de todo– se nom se deixasse levar o seu autor numhas cantas páginas pola sua excessiva afeiçom a fórmulas literárias românticas que nom podem dar mais de si.

Capítulo XLVI (1ª Parte). Francisco

Só ficam nesta casa, da nova geraçom, Chéli e Rafael. Agora estamos na Cabana. Rafael, cando terminem as férias, entrará com Jorge Bermúdez a trabalhar no bufete do tio deste. Ainda que tem o melhor expediente do seu curso, nom lhe vejo afeiçom polas cousas do Direito. Os livros que lê som maiormente livros de versos, especialmente os escritos em galego. Muita gente me fala del. Conhecem-no porque lerom o seu livro, ou as poesias que publica nas revistas. Pouco podo julgar eu do seu mérito como poeta. Escreve em galego, mas os seus versos pouco se imitam aos de Rosalia de Castro ou Curros Henríquez, que tanto gostávamos de ler, dizer ou cantar os moços do meu tempo. Os meus pais falavam em galego entre si, mas a mim falavam-me em castelhano. A  mim e à minha irmá Júlia, que morreu aos treze anos da sua idade. Assi que eu falei sempre em castelhano com Aurélia, e os meus filhos á nom falarom mais que em castelhano com toda a gente. Eu, cando ainda me dedicava aos negócios, podia falar galego cos obreiros. Mas o meu galego é mui distinto do galego que escreve Rafael. Já o meu galego nom me servia para entender todo o que lia em Rosalia ou em Curros. Muito tempo tardei em saber o que queria dizer “meninha gaiteira”. Nunca lhe ouvira a minha mai nengumha desas duas palavras. “Meninha” tinha que ser o mesmo que “rapaza”, pois a “meninha gaiteira” é chamada tamen “rapaza morena” e “rapaza do demo”. No entanto “gaiteira” nom podia significar “que toca a gaita”, que era o mais óbvio. Nunca vira ou ouvira eu umha rapaza que tocasse a gaita, e a rapaza nos versos canta ou vai cantar, mamente poderia tocar a gaita assemade. Haveria deixar a gaita para cantar? Nom me parecia que essa fosse a ideia da escritora. Ainda mais palavras desconhecidas topava em Curros. E é que o galego que falamos está mui estropiado, porque as gentes de mais poder e riqueza e cultura falam ordinariamente em castelhano, e todos tendem a imitá-las. Mas agora os regionalistas volvem a bulir muito, e Rafael e Jorge falam galego entre si.

Capítulo XXXV (2ª parte). Barreiro

Resistir é vencer, este é o santo e senha que parece resumir melhor a política militar da Junta de Defesa que presidie o governo de Madrid. O Governo de Largo Caballero está em Valência, o Presidente da República em Barcelona. O governo de Madrid está presidido polo General Miaja, que pistola em mao contivo a desbandada das miliícias desorganizadas na Cidade Universitária nos primeiros dias da batalha pola capital. Essa batalha foi ganha pola República. Franco, já chefe do governo e generalíssimo dos exércitos na zoa dominada polos rebeldes, convenceu-se de que nom podia entrar na plaça mediante um ataque frontal, e suspendeu os intentos de avanço, substituindo-os por bombardeios dos avions alemans e da artilharia empraçada no cerro Garabitas. Estamos agora mais seguros nas nossas trincheiras, ao cair a noite, que os habitantes de Madrdid, que ham dormir nos sótaos ou no metro.

(…) La guerra es nuestro porvenir. Esta outra consigna que se nos deu um dia, motivou sarcásticos e sombrios comentários.

Capítulo XLII (2ª Parte). Cleo

Cando éramos o que éramos, em Santiago, sempre lhe chamava Rafael. Antes de começar as aulas que me dera de Fonética histórica chamava-lhe Martínez. Mas entom, pouco nos falávamos. Desde o primeiro dia que estivo no nosso andar chamei-lhe Rafael. Para Sagitário, era Scórpio. Jorge Bermúdez! Um rapaz simpático, muito mais galante comigo que Rafael. Rafael nunca foi galante comigo, ainda que sempre me tratou com exquisita cortesia. Isso de Scórpio e Sagitário chegou a popularizar-se entre o grupo de amigos mais íntimos. Eu só por brincadeira lhe chamava Scórpio algumhas vezes. Aqui, claro está, ninguém lhe chama assi. Para a maior parte, é o capitam Martínez Pinheiro, ou simplesmente Martínez. Para mim, Rafael. Mas falando del comigo mesma, tendo a chamar-lhe Scórpio. Por quê? Parece-me que hai nesta preferência polo seu nome zodiacal umha amarga lembrança do dano que me fijo, que me empurra a vê-lo como um alacrau peçonhento.

Scórpio (1997) (3ª ed.). Vigo: A Nosa Terra